sábado, 31 de agosto de 2013

Terceira Parte

Lira VII

Tu, formosa Marília, já fizeste
Com teus olhos ditosas as campinas
Do turvo ribeirão em que nascestes;
Deixa, Marília, agora
As já lavradas setas:
Anda afoita a romper os grossos mares,
Anda encher de alegria estranhas terras;
Ah! por ti suspiram
Os meus saudosos lares.

Não corres como Safo sem ventura,
Em seguimento de um cruel ingrato,
Que não cede aos encantos da ternura;
Segues um fino amante,
Que a perder-te morria.
Quebra os grilhões do sangue, e vem, ó Bela;
Tu já foste no Sul a minha guia,
Ah! deves ser no Norte
Também a minha estrela.

Verás ao Deus Netuno sossegado,
Aplainar c’o tridente as crespas ondas;
Ficar como dormindo o mar salgado;
Verás, verás, d’alheta
Soprar o brando vento;
Mover-se o leme, desrizar-se o linho:
Seguirem os delfins o movimento,
Que leva na carreira
O empavesado pinho.

Verás como o Leão na proa arfando
Converte em branca espuma as negras ondas,
Que as talha, e corta com murmúrio brando;
Verás, verás, Marília,
Da janela dourada,
Que uma comprida estrada representa
A linfa cristalina, que pisada
Pela popa que foge,
Em borbotões rebenta.

Bruto peixe verás de corpo imenso
Tornar ao torto anzol, depois de o terem
Pela rasgada boca ao ar suspenso;
Os pequenos peixinhos
Quais pássaros voarem;
De toninhas verás o mar coalhado,
Ora surgirem, ora mergulharem,
Fingindo ao longe as ondas,
Que forma o vento irado.

Verás que o grande monstro se apresenta,
Um repuxo formando com as águas,
Que ao mar espalha da robusta venta;
Verás, enfim, Marília,
As nuvens levantadas,
Umas de cor azul, ou mais escuras,
Outras de cor-de-rosa, ou prateadas,
Fazerem no horizonte
Mil diversas figuras.

Mal chegares à foz do claro Tejo,
Apenas ele vir o teu semblante,
Dará no leme do baixel um beijo.
Eu lhe direi vaidoso:
“Não trago, não, comigo,
“Nem pedras de valor, nem montes d’ouro;
“Roubei as áureas minas, e consigo
“Trazer para os teus cofres
‘‘Este maior Tesouro.”

Glossário

Ditosas: Felizes, venturosas.
Turvo: Perturbado, agitado.
Afoita: Corajosa, audaz.
Safo: Poetisa da ilha de Lesbos que, segundo a lenda, cometeu suicídio por amor a Fáon.
Deus Netuno: Nome romano de Poseidon, deus grego dos oceanos.
Alheta: Encontro da popa e lateral do navio.
Desrizar: Desenrolar.
Delfins: Golfinhos.
Empavesado: Embandeirado; Defendido.
Linfa: Água.
Borbotões: Bolhas de água que brotam.
Toninhas: Atuns de pouca idade e pequenos.
Repuxo: Jorro de água que se eleva bastante e cai em forma de chuva.
Tejo: Rio da Península Ibérica cuja foz situa-se em Lisboa.
Baixel: Pequeno navio ou barco.

Interpretação 

Na introdução da lira, Dirceu faz um pedido a Marília, pede-lhe que deixe os campos, a terra, e que vá se aventurar nos mares, em busca de terras desconhecidas para ela.
Em seguida diz que Marília é sua estrela guia e a partir de então começa a descrever como seria a viagem. Ele lhe diz que ela verá o mar em calmaria quando Netuno estiver sossegado, que sentirá o vento em seu rosto enquanto delfins acompanham o navio, que verá as ondas se transformarem em espuma e borbotões diante de seus olhos. Também conta o que ela há de ver ao fisgar um peixe, o que há de sentir ao ver os peixes na água se igualando aos pássaros no céu.
Na penúltima estrofe da lira, Dirceu dá esperanças dizendo que mesmo quando vier a monstruosa tempestade, depois dela surgirão nuvens de diversas cores e formas e que então, por fim, Marília chegará ao seu destino e irá ao encontro de seu amado e este dirá que Marília é o único tesouro que ele trouxe, mas é também o mais precioso.

Características do Arcadismo

Mais uma vez, nota-se a presença da cultura Greco-romana na lira na citação de Safo e Netuno.
O desprendimento do materialismo também é evidente na lira, principalmente na última estrofe, quando Dirceu faz pouco caso de pedras preciosas e montes de ouro, ao mesmo tempo em que descreve Marília como sendo seu maior tesouro.
Já no próprio enredo da lira, o Carpe Diem fica claro assim como a valorização da natureza, pois a todo momento Dirceu fala do quanto sua amada aproveitaria seus dias de viagem, e quanto à natureza, Dirceu fala das ondas negras tornando-se espuma branca, dos golfinhos acompanhando o navio e de toninhas pulando no oceano. 

Situação histórica

É provável que quando esta lira foi escrita Tomás já havia sido exilado em Moçambique, e apesar de ter passado anos sem ver Maria Dorotéia ele ainda tinha uma fagulha de esperança e ela ainda inspirava Marília. Gradativamente, com o tempo, Marília foi sendo cada vez menos aparente nas liras, mas este não é o caso desta, na qual ele implicitamente pede a Maria Dorotéia que, atravessando o mar, vá ao encontro dele em seu exílio.


Isabella, nº20, 1ºA

6 comentários:

  1. Me identifiquei com a lira, pois, particularmente, se parece muito com meus devaneios amorosos... Situações idealizadas e tudo mais. A interpretação da lira foi ótima, esclarecedora e específica. As características do Arcadismo foram bem exploradas e foi interessante a ênfase dada ao Carpe Diem. O comentário histórico foi abrangente e ajuda a esclarecer a situação descrita na lira. Uma ótima análise.

    Roberta Fidelis, nº 32, 1º "A".

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  2. Sua interpretação foi boa e as características do Arcadismo foram explicadas de forma compreensível. O contexto histórico também foi bem explicado não restando dúvidas.

    Ruth Oliveira, nº 33, 1º "A".

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  3. sua análise esta ótima seus argumentos foram bem específicos,e a situação histórica bem elaborada de forma que o leitor possa entender de forma bem clara a lira.

    luanna,n 26,1"a'.

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  4. Uma ótima análise.
    Vale ressaltar que se bem observarmos, todos os tópicos abordados pela Isabella se ligam fazendo da análise uma breve história da Lira VII.

    Marcone, n°28 , 1° ''A''.

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  5. A análise da lira foi bem esclarecida e a característica foi de acordo com a lira.

    Stefane Sampaio 1°Ano ''A'' N°35

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  6. Nada a criticar sobre sua análise, muito bem elaborado e compreensiva, gostei realmente de todo o contexto. E interessante você novamente ressaltar sobre a presença da cultura Greco-romana na lira na citação de Safo e Netuno e o desprendimento do materialismo que também é evidente na lira.

    Amanda Marques nº 02, 1º A.

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