quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Análise da Lira II (2ª parte)

Lira II

Esprema a vil calúnia muito embora
Enter as mãos denegridas, e insolentes,
Os venenos das plantas,
E das bravas serpentes.

Chovam raios e raios, no meu rosto
Não hás de ver, Marília, o medo escrito:
O medo perturbador,
Que infunde o vil delito.

Podem muito, conheço, podem muito,
As fúrias infernais, que Pluto move;
Mas pode mais que todas
Um dedo só de Jove.

Este Deus converteu em flor mimosa,
A quem seu nome dera a Narciso;
Fez de muitos os Astros,
Qu’inda no Céu diviso.

Ele pode livrar-me das injúrias
Do néscio, do atrevido ingrato povo;
Em nova flor mudar-me,
Mudar-me em Astro novo.

Porém se os justos Céus, por fins ocultos,
Em tão tirano mal me não socorrem;
Verás então, que os sábios,
Bem como vivem, morrem.

Eu tenho um coração maior que o mundo!
Tu, formosa Marília, bem o sabes:
Um coração..., e basta,
Onde tu mesma cabes.

Glossário:
Enter: entre.
Qu’inda: que ainda.
Néscio: ignorante, estúpido, incompetente.
Jove: deus romano do dia, comumente identificado como Zeus.
Pluto: na mitologia grega (não confundir com Plutão,nome romano de Hade
s),é o deus das riquezas.

Interpretação:
Para se entender a Lira II da 2ª parte do livro Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, são necessários pré-requisitos, como por exemplo, o conhecimento do fato que levou o ouvidor e juiz de Vila Rica a ser preso. Então vamos retroagir no tempo cerca de 230 anos...
Os escritores árcades mineiros tiveram participação direta no movimento da Inconfidência Mineira. Chegados de Coimbra com ideias enciclopedistas e influenciados pela independência dos EUA, provavelmente não apenas engrossaram a fileiras dos revoltosos contra o erário régio, que confiscava a maior parte do ouro extraído na colônia, mas também divulgaram os sonhos de um Brasil independente e contribuíram para a organização do grupo inconfidente. Entre esses escritores estava Gonzaga.
Em 1789 Gonzaga foi preso, acusado de participar da Inconfidência, mesmo negando sua participação foi mandado ao Rio de Janeiro, onde ficou encarcerado até 1792, quando foi exilado para Moçambique, neste mesmo ano o poeta escreve a primeira parte de seu livro.
Agora sim começamos a análise.
Em toda obra observa-se que Gonzaga se posiciona como um abastado pastor que cultiva o ideal da vida campestre e através de palavras exprime seu amor por Marília.No entanto, o tom do discurso poético sofre sensível alteração ao longo da obra,tendo a prisão do poeta como grande divisor de águas.Antes da cadeia, discorre sobre a iniciação amorosa, o namoro,a felicidade do amante,os sonhos de uma família ,a defesa da tradição e da propriedade, sempre numa postura patriarcalista; depois,  vivendo os sofrimentos provocados pela cadeia, mostra-nos uma série de reflexões que abordam desde a justiça dos homens ‘’
Ele pode livrar-me das injúrias/Do néscio, do atrevido ingrato povo; ‘’, até os caminhos do destino e a eterna consolação no amor que sente por Marília,como vemos nas duas últimas estrofes do poema.



Características:
Observa-se a presença de entidades mitológicas na lira em questão, por exemplo, nos seguintes trechos: ’’ As fúrias infernais, que Pluto move;
                                    [...] Um dedo só de Jove.’’
O escritor árcade reaproveita os seres criados pela mitologia greco-romana, deuses e entidades pagãs. Mas esses mesmos deuses convivem com outros seres do mundo cristão.
Gonzaga conseguiu quebrar em grande parte a rigidez dos princípios árcades. Por exemplo, em contraposição à contenção dos sentimentos, sua poesia é mais emotiva e mais espontânea.

Comentário sobre a situação histórica:
O grande Dr.Tomás Antônio Gonzaga é levado preso, mas percebe que sua alma permanece livre, então continua a escrever suas liras que são sua maior alegria apesar dos sofrimentos passados na prisão.
Infelizmente, os versos escritos no cárcere são de pura tristeza,revolta e uma dor causada pela separação.


Marcone, n°28, 1°''A''.

10 comentários:

  1. Sua lira esta ótima,mas tem muitas coisas na interpretação que deveria ter colocado na situação histórica.Tirando isso sua lira esta claramente e explicita aos leitores da lira.

    LUANNA,1"A",N 26.

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  2. A análise ficou ótima, como sempre, foi bem explicada, com palavras bem colocadas. Tudo muito bem elaborado. Discordo da Luanna quanto à interpretação. Os fatos históricos que foram citados na interpretação eram necessários para o entendimento da lira, e, mesmo esclarecendo boa parte da história na interpretação, Marcone não deixou a desejar no comentário histórico. Porém, acredito que deveria ter uma explicação sobre Narciso, herói da mitologia greco-romana, tanto no glossário quanto nas características do Arcadismo (presença de entidades mitológicas). E, depois de ler a explicação histórica feita na interpretação, me restou uma dúvida: Tomás Antônio Gonzaga realmente escreveu a primeira parte de seu livro quando foi exilado para Moçambique? Eu achei que ele havia escrito a primeira parte aqui no Brasil...

    Roberta, nº 32, 1º "A".

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Com relação a Narciso,Gonzaga apenas o aponta como criação divina,mostrando assim a grandeza daquele que o poderia livrar da prisão.
      Para sanar sua dúvida,a primeira parte do livro foi lançada em Lisboa e como já havia dito anteriormente no mesmo ano em que o poeta foi exilado para Moçambique a fim de cumprir uma sentença de dez anos.

      Marcone, n°28, 1°''A''.

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    3. "[...] até 1792, quando foi exilado para Moçambique, neste mesmo ano o poeta escreve a primeira parte de seu livro." Sim, mas isso é sobre quando foi lançado. E quanto à quando foi escrito? Ele pode ter sido lançado no ano em que Gonzaga foi exilado, mas também pode ter sido escrito quando ele ainda estava no Brasil. Pelo menos é o que o contexto da primeira parte dá entender...

      Roberta, nº 32, 1º "A".

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  3. A interpretação da lira foi bem explicada e eu também discordo da Luana porque ele soube usar suas palavras para falar da características do Arcadismo e falou bem da situação histórica.

    Stefane Sampaio 1° Ano ''A'' N°35

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  4. A análise em si ficou muito boa, tudo muito bem explicado e bem colocado onde nos esclarece não só a própria lira mais também as de mais liras anteriores e seguintes. Também discordo da Luanna, pois, por mais que não fosse necessário acrescentar mais detalhes, deu nos uma melhor compreensão a respeito para que não restasse duvidas ao leitor.

    Amanda Marques nº 02, 1º A.

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  5. Marcone, a meu ver sua análise foi bem explicada e seu contexto histórico foi claro e objetivo.

    Ruth Oliveira, nº 33, 1º "A".

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  6. A análise ficou ótima, além de explicar bem a lira a qual se refere, ainda foi dado um complemento que supre dúvidas que possam existir acerca de todo o trabalho feito neste blog.

    Isabella, nº20, 1ºA

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