quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Análise da Lira II de Marília de Dirceu

Lira II

Pintam, Marília, os Poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes, que lhe dão.

Porém eu, Marília, nego,
Que assim seja Amor; pois ele
Nem é moço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.
Ora pois, eu vou formar-lhe
Um retrato mais perfeito,
Que ele já feriu meu peito;
Por isso o conheço bem.

Os seus compridos cabelos,
Que sobre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem, Marília, um composto
Da mais formosa união.

Tem redonda, e lisa testa,
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a vista honesta,
E seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu,
Que no dia luminoso
O Céu tem um Sol formoso,
E o travesso Amor tem dois.

Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
Purpúreas folhas de rosa,
Brancas folhas de jasmim.
Dos rubis mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.

Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo um suspiro, e ele
Conheceu haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
Entendia eu não olhava:
Vendo o que via, baixava
A modesta vista ao chão.

Chamei-lhe um dia formoso:
Ele, ouvindo os seus louvores,
Com um gesto desdenhoso
Se sorriu, e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deu também resposta,
Constrangeu-se, e suspirou.

Conheço os sinais, e logo
Animado de esperança,
Busco dar um desafogo
Ao cansado coração.
Pego em teus dedos nevados,
E querendo dar-lhe um beijo,
Cobriu-se todo de pejo,
E fugiu-me com a mão.

Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que ele foi quem me venceu.

Glossário
Aljava: coldre ou recipiente para setas, geralmente transportado ao ombro.
Tenro: De pouca idade, jovem, delicado.
Purpúrea: De cor vermelha, quase roxa.
Pejo: Pudor, vergonha, acanhamento.

Interpretação 
 A Lira II da primeira parte do livro Marília de Dirceu descreve de modo inusitado a beleza e cada detalhe físico de Marília. O eu lírico deixa bem claro o quanto admira sua amada. A princípio ele nega o modo com que os poetas retratam Cupido (como um garotinho nu que carrega flechas no ombro): “Porém eu, Marília, nego,/ Que assim seja Amor; pois ele/ Nem é moço, nem é cego,/ Nem setas, nem asas tem” a partir dessa passagem, Dirceu começa um detalhado relatório sobre as características de Amor, já que este já lhe feriu o peito e por isso ele o conhece bem. Segundo o eu lírico, Amor nem é moço e nem é cego, não tem setas nem asas, possui cabelos compridos com a cor negra da noite, de modo a  contrastar o com o branco do rosto, sua testa é redonda e lisa, suas sobrancelhas são arqueadas, sua voz é meiga, sua vista é honesta e sua face é mimosa. Após essa descrição admirada, ele relata um encontro com Amor, em que este se revela modesto e envergonhado. Nesse encontro, o eu lírico afirma ter tentado beijar-lhe, sem sucesso. Vale notar que o interlocutor do eu lírico é Marília, e, na última estrofe, Dirceu revela que a imagem descrita é da própria Marília: “Sim, Marília, a cópia é tua”. O desfecho traz um certa surpresa ao leitor, pois é um modo raro de colocar em palavras toda a admiração do eu lírico pela amada.

Características do Arcadismo e da lira
Uma característica notável na Lira II é a presença de alusões mitológicas. Tomás Antônio Gonzaga faz referência ao Cupido, uma entidade da mitologia greco-romana, diversas vezes. Este é um aspecto da Antiguidade Clássica retomado no Arcadismo (Neoclassicismo). Nota-se também o uso de pseudônimos; Maria Doroteia é chamada de Marília não apenas na Lira II, mas em toda a extensão do livro. Essa mudança de nomes é usada como um modo de "neutralizar" diferenças sociais e eliminar ligações com as origens nobres dos poetas árcades. Outro aspecto arcádico na lira é a tranquilidade do relacionamento amoroso de Dirceu e Marília: é algo calmo, sem paixões exacerbadas. O que, deve-se lembrar, não significa que não houvesse um grande amor. 
A Lira II é uma lira de simples entendimento, o que também é uma característica árcade. Há uma maior facilidade de compreensão, diferentemente do Barroco, não há um uso constante de figuras de linguagem, nem uma elaboração muito rebuscada da língua. A simplicidade é a norma para a criação literária do Arcadismo e combater a artificialidade e a sofisticação verbal do Barroco se tornou uma missão.

Comentário sobre a situação histórica
Quando Tomás Antônio Gonzaga escreveu a primeira parte de Marília de Dirceu, ele tinha aproximadamente 40 anos, vivia no Brasil e possuía estabilidade econômica devido ao alto cargo judiciário que ocupava. É nesse estágio de sua vida que se apaixona pela jovem Marília. Assim, nas primeiras liras, o poeta se mostra apaixonado, otimista e fazendo planos para uma vida com Maria Doroteia. 

Roberta, nº 32, 1º "A". 

7 comentários:

  1. Como dito, esta lira há uma maior facilidade de compreensão comparado ao barroco, isso é notável e a Roberta deixa claro nas características do Arcadismo e da lira. A interpretação foi bem elabora, quando citado algumas passagens da lira e logo depois explicado, da a entender com palavras claras o que o eu lírico quer passar para o leitor, ou seja, a admiração que sente pela sua amada.
    POR: Amanda Marques 1º A

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  2. A interpretação ficou bastante clara e teve bastante ênfase já que Roberta foi redundante em sua explicação, as características arcadistas dadas por ela foram bem abrangentes e de fácil entendimento e o comentário histórico foi objetivo e com informações bastante esclarecedoras.
    Isabella nº20 1ºA

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  3. A interpretação e as características do arcadismo foram citadas de forma clara e bem explicadas. Sobre a situação histórica nota-se que a Roberta identifica boa parte da vida de Gonzaga quando estava trabalhando em suas primeiras liras e demonstrando seu grande amor por Marília.

    Ruth Oliveira, nº 33, 1º A.

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  4. a roberta deixa bem claro as formas arcaicas, esclarece a paixão de Gonzaga pela amada e o modo de como a lira apresenta alusões mitológicas.a situação histórica declarada pode se notar que realmente está de forma bem clara e precisa.

    luanna jessyca,1"a",n 26

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. A interpretação foi clara e como dito ele queria passar para o leitor o Amor que sentia pela sua amada Marilia. A Roberta foi bem clara quando fez a sua interpretação da sua Lira.

    Stefane Sampaio N°35 1° Ano ''A''

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  7. Como dito nos comentários anteriores, a interpretação ajudou muito na compreensão do poema, as características foram escritas de forma que clara e objetiva, então posso dizer que a análise ficou ótima uma vez que concordo com a seguinte colocação feita pela Roberta:''O desfecho traz um certa surpresa ao leitor, pois é um modo raro de colocar em palavras toda a admiração do eu lírico pela amada.''.

    Marcone, n°28, 1° ''A''.

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