quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Análise da Lira XV - Segunda Parte

Lira XV

Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro,
Fui honrado Pastor da tua aldeia;
Vestia finas lãs, e tinha sempre
A minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal, e o manso gado,
Nem tenho, a que me encoste, um só cajado.

Para ter que te dar, é que eu queria
De mor rebanho ainda ser o dono;
Prezava o teu semblante, os teus cabelos
Ainda muito mais que um grande Trono.
Agora que te oferte já não vejo
Além de um puro amor, de um são desejo.

Se o rio levantado me causava,
Levando a sementeira, prejuízo,
Eu alegre ficava apenas via
Na tua breve boca um ar de riso.
Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
De ver-te aos menos compassivo o rosto.

Propunha-me dormir no teu regaço
As quentes horas da comprida sesta,
Escrever teus louvores nos olmeiros,
Toucar-te de papoulas na floresta.
Julgou o justo Céu, que não convinha
Que a tanto grau subisse a glória minha.

Ah! minha Bela, se a Fortuna volta,
Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo;
Por essas brancas mãos, por essas faces
Te juro renascer um homem novo;
Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,
Amar no Céu a Jove, e a ti na terra.

Fiadas comprarei as ovelhinhas,
Que pagarei dos poucos do meu ganho;
E dentro em pouco tempo nos veremos
Senhores outra vez de um bom rebanho.
Para o contágio lhe não dar, sobeja
Que as afague Marília, ou só que as veja.

Senão tivermos lãs, e peles finas,
Podem mui bem cobrir as carnes nossas
As peles dos cordeiros mal curtidas,
E os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
Por mãos de amor, por minhas mão cosido.

Nós iremos pescar na quente sesta
Com canas, e com cestos os peixinhos:
Nós iremos caçar nas manhãs frias
Com a vara envisgada os passarinhos.
Para nos divertir faremos quanto
Reputa o varão sábio, honesto e santo.

Nas noites de serão nos sentaremos
C’os filhos, se os tivermos, à fogueira;
Entre as falsas histórias, que contares,
Lhes contarás a minha verdadeira.
Pasmados te ouvirão; eu entretanto
Ainda o rosto banharei de pranto.

Quando passarmos juntos pela rua,
Nos mostrarão c’o dedo os mais Pastores;
Dizendo uns para os outros: “Olha os nosso
“Exemplos da desgraça, e são amores”.
Contentes viveremos desta sorte,
Até que chegue a um dos dois a morte

Glossário

Choça: Construção rústica revestida de palha ou de folhas.
Cajado: Pau para apoiar quem caminha.
Regaço: Concavidade formada pela roupa entre a cintura e os joelhos de pessoas sentadas.
Sesta: Sono que se dorme depois do almoço.
Olmeiros: Grandes árvores frondosas.
Papoulas: Gênero de plantas que serve de tipo às papaveráceas.
Jove: Júpiter na mitologia Romana, ou Zeus, na mitologia grega.
Cosido: Costurado.
Envisgada: Presa.
Reputar: Julgar, crer.
Serão: Trabalho feito à noite.

Interpretação

Na Lira XV da segunda parte de Marília de Dirceu, o eu lírico fala aberta e claramente sobre a perda de seus bens que antes o colocavam em uma condição social mais elevada. Os  versos da primeira estrofe "Tiraram-me o casal e o manso gado,/ Nem tenho, a que me encoste, um só cajado." explicitam toda essa perda e, não só isso, deixam uma leve impressão de uma valorização dos bens materiais (o que iria contra a filosofia de vida aurea mediocritas: valorização das coisas simples). Isso é logo explicado na estrofe seguinte, onde fica claro que Dirceu só queria ainda ser dono de um grande rebanho para ter o que dar à Marília e que ele valoriza muito mais a amada que qualquer riqueza. Outra situação enfatizada é a de que Dirceu não se importava com as pequenas perdas, já que podia estar perto de sua Marília, porém, agora que tudo perdeu, ele nem sequer pode vê-la, afinal de contas, um homem sem bens não era considerado digno de cortejar a amada. O eu lírico chega a atribuir ao Céu a não realização de todos os planos que este havia feito para uma vida com Marília. Até aqui a lira assumiu um caráter melancólico, lamentoso até, que logo é substituído por promessas que serão cumpridas caso a Fortuna volte. Daí em diante, Dirceu se mostra mais esperançoso e imerge em um mundo de planos para um futuro simples, alegre e promissor com a amada, que vai desde ovelhas compradas fiadas à filhos. Termina coma promessa de que viverão contentes desta sorte, até que a morte os separe. Fica claro que, mesmo em meio à esta situação desagradável, ele ainda é capaz de sonhar, admirar Marília e aspirar à toda uma vida com ela.

Características do Arcadismo e da lira

O pastoralismo, na Lira XV, está presente logo na primeira estrofe, quando o eu lírico se apresenta como um "honrado pastor da sua Aldeia", trazendo a ideia de simplicidade. A partir da quarta estrofe, a característica árcade mais marcante é o bucolismo: Dirceu faz seus planos para com a amada em um lugar ameno, tranquilo, agradável... Uma Natureza acolhedora, que seria o cenário de toda sua vida futura com Marília. Não há uma presença constante de entidades mitológicas como em outras liras; nesta, o eu lírico cita Jove (Júpiter) apenas uma vez. É notável o tema clássico aurea mediocritas, que valoriza as coisas simples da vida, já que Dirceu deixa claro que ele não se importa de não ter nada e fará de tudo pelo amor. No decorrer da lira, nota-se que este é um texto de fácil entendimento, uma vez que os poetas árcades usavam do predomínio da lógica, da clareza e recusavam uma maior elaboração da língua.

Comentário sobre a situação histórica

A segunda parte de Marília de Dirceu foi escrita quando Dirceu já estava aprisionado aqui no Brasil por participar da Inconfidência Mineira, movimento que tinha a intenção de proclamar a República e tornar o país independente de Portugal. Não foi um movimento bem sucedido, pois Joaquim Silvério dos Reis, um dos financiadores do movimento, delatou-o, levando à prisão de Tomás Antônio Gonzaga e outros líderes do movimento. Isso explica o fato de a  Lira XV ser um retrato dos sofrimentos da prisão, de uma imensa saudade de Marília e questionamentos sobre o destino.

Roberta, nº 32, 1º "A".

7 comentários:

  1. sua análise está ótima é bem perspectiva e tem uma ótima interpretação sobre a lira as características do arcadismo também está bem argumentada.A situação histórica também esta bem clara para o entendimento da análise.

    luanna,n 26,1 "a".

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  2. Sua interpretação foi fácil de compreender, as características foram bem colocadas na lira e a situação histórica foi bem clara quando você falou onde estava sendo escrita a lira.

    Stefane Sampaio 1° Ano ''A'' N°35

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  3. Roberta, sua interpretação e características árcades foram mencionadas de forma clara e bem explicadas, fazendo com que sua análise ficou bastante completa. Seu comentário histórico foi bem esclarecido e de forma objetiva.

    Ruth Oliveira, nº 33, 1º "A".

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  4. Todo seu trabalho está completo, nada a reclamar, muito bem elaborado, e feito de um modo esclarecedor.

    Amanda Marques nº 02 , 1º A

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  5. Todo seu trabalho está completo, nada a reclamar, muito bem elaborado, e feito de um modo esclarecedor.

    Amanda Marques nº 02 , 1º A

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  6. Interpretação digna de reconhecimento,onde vemos que a Roberta foi bem fundo em sua análise mostrando que um artista como Gonzaga sabe brilhar em qualquer lugar.
    ''Fica claro que, mesmo em meio à esta situação desagradável, ele ainda é capaz de sonhar, admirar Marília e aspirar à toda uma vida com ela.''

    Marcone, n°28, 1º ''A''.

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  7. A análise foi excelente em minha opinião, foi objetiva com uma explicaçao que foi clara e abrangente sem, no entanto, utilizar uma linguagem complicada. Mais uma vez, um excelente trabalho.

    Isabella, nº20, 1ºA

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