sábado, 31 de agosto de 2013

Análise da Lira IX - Terceira Parte

Lira IX
(A uma despedida) 

Chegou-se o dia mais triste
que o dia da morte feia;
caí do trono, Dircéia,
do trono dos braços teus,
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Ímpio Fado, que não pôde
os doces laços quebrar-me,
por vingança quer levar-me
distante dos olhos teus.
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Parto, enfim, e vou sem ver-te,
que neste fatal instante
há de ser o teu semblante
mui funesto aos olhos meus.
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

E crês, Dircéia, que devem
ver meus olhos penduradas
tristes lágrimas salgadas
correrem dos olhos teus?
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

De teus olhos engraçados,
que puderam, piedosos,
de tristes em venturosos
converter os dias meus?
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Desses teus olhos divinos,
que, terno e sossegados,
enchem de flores os prados
enchem de luzes os céus?
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Destes teus olhos, enfim,
que domam tigres valentes,
que nem rígidas serpentes
resistem aos tiros seus?
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Da maneira que seriam
em não ver-te criminosos,
enquanto foram ditosos,
agora seriam réus.
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Parto, enfim, Dircéia bela,
rasgando os ares cinzentos;
virão nas asas dos ventos
buscar-te os suspiros meus.
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Talvez, Dircéia adorada,
que os duros fados me neguem
a glória de que eles cheguem
aos ternos ouvidos teus.
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Mas se ditosos chegarem,
pois os solto a teu respeito,
dá-lhes abrigo no peito,
junta-os c'os suspiros teus.
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

E quando tornar a ver-te,
ajuntando rosto a rosto,
entre os que dermos de gosto,
restitui-me então os meus.
Ah! não posso, não, não posso
dizer-te, meu bem, adeus!

Glossário

Ímpio Fado: Destino desumano, cruel.
Mui funesto: Muito entristecedor, fatal.
Piedoso: Que tem compaixão.
Venturosos: Felizes.
Prado: Terreno coberto de plantas herbáceas (ervas).
Ditoso: Que tem sorte, afortunado.
Réu: Culpado, de má índole.

Interpretação 

A Lira IX (também intitulada A uma despedida) da terceira parte do livro Marília de Dirceu traz à tona um sentimento de tristeza do eu lírico por ter de deixar a amada. Esse sentimento é notável no decorrer de toda a lira. Logo na primeira estrofe há uma comparação profunda sobre o dia em que Dirceu teve de partir: "Chegou-se o dia mais triste/ Que o dia da morte feia", evidenciando assim  o tamanho do seu amor por Marília e o tamanho da sua tristeza, uma vez que, para algo ser considerado pior que a morte, tem de ser realmente ruim.
A lira possui um refrão saudoso, que dá ênfase ao descontentamento de Dirceu a cada estrofe: "Ah! não posso, não, não posso/ Dizer-te, meu bem, adeus!"; vale reparar que, no refrão, ele nega por três vezes a sua capacidade de despedir-se. Neste poema o eu lírico refere-se à amada como Dirceia; não mais usa o vocativo Marília, como nas liras anteriores. Entende-se que Dirceia é um nome referente a Dirceu (de Dirceu). Na segunda estrofe, o eu lírico descreve a separação como um ímpio fado, um destino cruel, difícil de suportar... Para ele, será como um castigo ficar distante dos olhos da amada. 
Na terceira estrofe, Dirceu toma a decisão de partir sem vê-la, pois chega à conclusão de que, nesse momento, o semblante de Marília seria entristecedor aos olhos dele e, no refrão, é reafirmado que ele não pode dizer adeus. 
A partir da quarta estrofe é dado um destaque especial aos olhos de Dirceia: olhos engraçados, que transformaram os dias de Dirceu, olhos divinos, olhos ternos e sossegados, olhos tão profundos e determinados que poderiam domar tigres valentes... É desses olhos que ele não consegue despedir-se, e é desses olhos que ele sentirá falta. 
Na nona estrofe, o eu lírico começa a usar de uma ideia metafórica: diz que está partindo, e que os suspiros dele irão buscá-la, porém, talvez eles não cheguem, mas pede que, se eles chegarem, ela os abrigue no peito, junto com os suspiros dela. Isso pode ser interpretado como uma súplica, um pedido desesperado de que ela não o esqueça, mas guarde-o no coração. 
A última estrofe do poema vem com uma pitada de esperança, amenizando o clima melancólico e saudoso estabelecido até aqui. É nesta estrofe que pode-se notar que Dirceu ainda espera poder voltar a ver Marília, estar junto dela, entre os suspiros que eles darão de felicidade. Ele diz que, quando isso acontecer, ela irá devolver-lhe seus suspiros. Os suspiros podem ser entendidos, aqui, como a alegria de viver: quando eles se reencontrarem, todo o gosto pela vida que ele perdeu enquanto estava longe da amada voltará. 

Características do Arcadismo e da lira

A Lira IX é uma lira mais focada no sentimento de tristeza e do eu lírico. Toda a tranquilidade amorosa árcade demonstrada nas liras anteriores desaparece e dá lugar a uma saudade desesperada. Pode-se notar uma leve presença da valorização da natureza na sétima estrofe, nos versos "Enchem de flores os prados/ Enchem de luzes os Céus". Há uma simplicidade subentendida, uma vez que o eu lírico está de partida, mas, em momento algum, ele demonstra preocupação com os bens materiais que ficarão. Se preocupa apenas com a amada, o que pode se encaixar na aurea mediocritas: valorização das coisas simples. O pseudônimo Dirceia é usado ao longo de todo o poema, um pseudônimo diferente do que estávamos habituados a ver, mas é utilizado com a mesma intenção árcade: eliminar as marcas das origens nobres ou plebeias. Nota-se que a linguagem utilizada é simples, assim como nas liras anteriormente analisadas, o que é uma característica típica do Arcadismo. É bem notória a presença de duas características pré-românticas: o emocionalismo que é empregado na expressão pungente (dolorosa) da crise amorosa e, como já foi dito anteriormente, a saudade.

Comentário sobre a situação histórica

Sabe-se que Gonzaga era apaixonado por uma moça 23 anos mais jovem que ele e que, naturalmente, a família dela se opunha ao relacionamento do casal. Quando o poeta já estava vencendo as resistências da família, foi preso e enviado para a  Ilha das Cobras por participar da Inconfidência Mineira. Logo depois ele foi exilado para Moçambique, onde teve de passar os últimos 17 anos da sua vida. Foi, provavelmente, nessa época em que foi escrita a terceira parte de Marília de Dirceu. Essa parte do livro fala de amores, desenganos e traições, mas a figura de Marília não se faz presente com a mesma intensidade de antes. Vale notar, também, que a autenticidade da terceira parte do livro é contestada por muitos críticos.
A Lira IX é um retrato perfeito do momento em que Tomás Antônio Gonzaga teve que deixar o país e a amada, e mostra toda a dor que ele sentiu. Ele nunca chegou a se casar com Maria Doroteia, mas esse namoro se tornou o primeiro mito amoroso da nossa literatura e deixou-nos uma das mais belas obras líricas existentes.

Roberta, nº 32, 1º "A".

9 comentários:

  1. Na minha opinião sua análise foi excelente. A interpretação foi clara e detalhada. A demonstração das características árcades, mesmo aquelas implícitas foi muito bem fundamentada e o histórico foi abrangente e contextualizou a lira com sucesso.

    Isabella, nº20, 1ºA

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  2. Na minha opinião sua análise foi excelente. A interpretação foi clara e detalhada. A demonstração das características árcades, mesmo aquelas implícitas foi muito bem fundamentada e o histórico foi abrangente e contextualizou a lira com sucesso.

    Isabella, nº20, 1ºA

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  3. Sua interpretação ficou compreensiva e bem completa fazendo com que suas palavras enriquecessem a análise da lira no geral. As características e o comentário histórico também foram bem mencionados.

    Ruth Oliveira, nº 33, 1º "A".

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  4. sua análise foi bem clara,de modo que sua clareza nos da a entender de forma geral a lira.seus argumentos foi bem elaborados na sua interpretação.

    luanna,n 26,1"a".

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  5. Sua análise como um todo ficou muito boa e, o que mais chama atenção é a notável interpretação feita de uma lira que fala por si própria.
    Vale ressaltar que em minha opinião, essa lira é uma das mais belas de toda a obra.

    Marcone, n°28, 1° ''A''.

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    1. Na minha opinião, é uma das mais melosas de toda a obra (risos).
      Roberta

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    2. Eu não diria melosa, diria apenas que o autor colocou em um papel tudo aquilo que não cabia mais em seu coração.

      Marcone

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  6. A análise da lira foi bem clara, a situação histórica foi bem interessante e a características do Arcadismo foi bem interessante.

    Stefane Sampaio 1°Ano''A'' N°35

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  7. Foi importante a sua escolha da lira IX, como já dito pelo Marcone é uma das liras mais belas de Dirceu, e você abusou disso, conseguiu exaltar tudo de maravilhoso que há na lira, todo o contexto está completo, gostei bastante.

    Amanda Marques nº 02, 1º A.

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