sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Análise da Lira I de Marília de Dirceu



Lira I


Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


Mas tendo tantos dotes da ventura,
apreço lhes dou, gentil Pastora,
Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoila, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


Leve-me a sementeira muito embora
O rio sobre os campos levantado:
Acabe, acabe a peste matadora,
Sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso:
Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
Para viver feliz, Marília, basta
Que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


Irás a divertir-te na floresta,
Sustentada, Marília, no meu braço;
Ali descansarei a quente sesta,
Dormindo um leve sono em teu regaço:
Enquanto a luta jogam os Pastores,
E emparelhados correm nas campinas,
Toucarei teus cabelos de boninas,
Nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


Depois de nos ferir a mão da morte,
Ou seja neste monte, ou noutra serra,
Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dois a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
Lerão estas palavras os Pastores:
“Quem quiser ser feliz nos seus amores,
Siga os exemplos, que nos deram estes.”
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!


Glossário:
Alheio: de outras pessoas.
Tosco: rude, grosseiro.
Casal: moradia própria, pequena propriedade.
Assisto: resido, moro.
Semblante: rosto, face.
Inda: ainda.
Cortado: enrugado.
Cajado: bastão, bordão de pastor.
Destreza: habilidade.
Alceste: nome que o autor atribui a seu amigo Cláudio M. da Costa.
Concerto: fazer soar harmonicamente.
Dotes: bens.
Ventura: sorte, destino, felicidade.
Apreço: consideração, valor.
Segura: garantir.
Q’ um: que um.
Vaporar: exalar, lançar vapores.
Nédio: brilhante.
Regaço: cavidade formada por veste comprida.
Toucar: cobrir com touca.
Bonina: margarida-rasteira.
Campa: pedra que cobre a sepultura.


Interpretação
Na Lira I da obra Marília de Dirceu, o eu lírico, apaixonado por Marília demonstra seu amor com simples palavras. Mesmo vivendo no campo, nega à sua amada que é um simples pastor, porém faz o possível para conquistá-la. Nota-se que o autor cita muitas coisas referentes às atividades do campo. Nos versos “Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;/ Das brancas ovelhinhas tiro o leite,/ E mais as finas lãs, de que me visto...” da primeira estrofe, o autor tem meios para viver com fartura e ainda vestir-se com finas lãs. Na 2ª estrofe, Dirceu apresenta a juventude e a beleza de Marília e compara seus dotes intelectuais com outros pastores, procurando causar inveja. Ele cita também que todos seus bens privilegiados não podem ser trocados nem comparados ao grande amor que sente por Marília.


Características do Arcadismo e da Lira
As primeiras características do Arcadismo notáveis na Lira I são a simplicidade nas palavras, vocabulário acessível direto e sem exagero. Dirceu identifica a si e a sua amada como pastores. Nota-se que ele vive em plena harmonia com a natureza. O bucolismo está bastante evidente nessa lira e a maior parte do vocabulário apresenta termos ligados à vida no campo. Nos versos “Graças, Marília bela,/ Graças à minha estrela!”, o poeta manifesta-se satisfeito com o próprio destino e afirma que possui sorte graças à sua amada, esse é um termo evidente do narcisismo, pois ele está se autovalorizando. Diferentemente de outros poetas barrocos, o autor recusa usar termos complicados, preferindo a clareza e a ordem lógica na escrita.


Comentário sobre a situação histórica
Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Portugal, estudou Direito em Coimbra e retornou para o Brasil em 1782. Nesse período, Gonzaga apaixona-se pela jovem Marília Doroteia a quem dedica suas primeiras 33 liras para conquistá-la e tê-la como esposa. O autor foi discriminado pela família da jovem, pois era bem mais velho e pobre. Foi preso em 1789 por ter se envolvido na Inconfidência Mineira e consequentemente ficou separado de sua amada para sempre.


Ruth Oliveira, nº 33, 1º A.

14 comentários:

  1. a interpretação foi bastante esclarecedora de modo que a compreensão fica mais satisfatória,a caracterização do arcadismo esta de forma clara e nota-se realmente o predomínio do bucolismo.

    luanna jessyca,1'a",n 26.

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  2. A explicação foi muito bem feita e elaborada e o vocabulário abrangente, a interpretaçao também foi bem trabalhada, quanto a caracterizaçao, eu discordo quando é dito que a lira tem um aspecto narcisista porque não creio que Dirceu estivesse se autovalorizando, acredito que estava agradecendo pela sorte que tem. Quanto ao resto, também acho que o trabalho feito foi muito bom.

    Isabella nº 20 1ºA

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  3. Isabella, obrigada pelo comentário. Concordo com a sua observação quanto a caracterização e aproveito para fazer uma correção:

    O propósito de autovalorização (narcisismo) é evidente nos versos abaixo:

    "Eu vi o meu semblante numa fonte:/ dos anos inda não está cortado;"

    Ruth Oliveira, nº 33, 1º A.

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  4. A interpretação foi bem trabalhada, objetiva, e esclarece algumas dúvidas que podem restar ao ler a lira pela primeira vez. As características do Arcadismo na lira foram bem exploradas. Quanto ao narcisismo, discordo da Isabella. Há sim um propósito de autovalorização; o eu lírico deixa clara sua posição de superioridade e, por ser "melhor" que os outros pastores, se considera digno de cortejar sua amada. A diferença é que, depois, ele esclarece que tudo que o torna "melhor" que os outros pastores não vale nada sem o amor de Marília.
    Roberta, nº 32, 1º "A".

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. A interpretação feita por você foi muito bem elaborada e esclarecedora,o uso de palavras fáceis tornou bela sua colocação,quanto a caracterização,concordo com a Isabella pois nesse poema o autor não se autovaloriza,na verdade ele demonstra gratidão a Marília como está explícito no seguinte trecho que se repete ao final das estrofes ''Graças, Marília bela,
    Graças à minha Estrela!''
    Quanto as demais coisas não tenho nenhuma contradição.

    Marcone, n°28, 1° ''A''.

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  7. Na página 195 do nosso livro tem um comentário sobre essa questão que pode esclarecer a dúvida.

    Roberta, nº 32, 1º "A".

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  8. Tudo foi muito bem colocado e esclarecedor, o uso das palavras e o modo em que foi elaborado a interpretação deu um fácil entendimento da lira, e isso ficou compatível ao que você colocou nas características do Arcadismo '' A simplicidade nas palavras, vocabulário acessível direto e sem exagero. ''

    Amanda Marques nº 02 , 1º A

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  9. A analise da lira foi bem clara quando ela falou do ''Mesmo vivendo no campo, nega à sua amada que é um simples pastor, porém faz o possível para conquistá-la''. Como diz na interpretação ele faz de tudo para conquistar a sua amada. O arcadismo foi bem claro e compreensível.

    Stefane Sampaio N°35 1° Ano ''A''

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  10. Obrigado por sua explicação quanto ao poema, estava precisando de ajuda para minha apresentação na escola.

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  11. esse poema e de que periodo predominante?

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