Com pesadas cadeias manietado,
Às vozes da razão ensurdecido,
Dos céus, de mim, dos homens esquecido,
Me vi de amor nas trevas sepultado.
Ali aliviava o meu cuidado
C’o dar de quando em quando algum gemido.
Ah! tempo! Que, somente refletido,
Me fazes entre as ditas desgraçado.
Assim vivia, quando a falsidade
De Laura me tornou num breve dia
Quanto a razão não pôde em longa idade:
Quebrei o vil grilhão que me oprimia!
Oh! feliz de quem goza a liberdade,
Bem que venha por mãos da aleivosia!
Glossário
Manietado: Preso, sem liberdade.
Cuidado: O sentido de cuidado, aqui, não é o de cautela, mas de uma inquietação de espírito.
Ditas: Referência às trevas da primeira estrofe (ditas trevas).
Vil: Infame, desprezível
Grilhão: Corrente de metal, prisão (no sentido figurado).
Oprimir: Exercer pressão sobre. Pode ser interpretado também, no contexto, como afligir.
Gozar: Ter prazer em algo.
Aleivosia: Traição cometida por aquele em que se deposita fé.
Interpretação
A princípio, o soneto traz uma linha de pensamento melancólica e lamentosa. O eu lírico afirma que, preso, ele não mais escutava as vozes da razão, que estava esquecido dos céus, dele próprio e dos homens. Então ele diz que se viu sepultado nas trevas, por causa do amor. Entende-se, nessa passagem, que a tristeza dele é tão grande que pode ser comparada às trevas. Na segunda estrofe, Dirceu afirma que era ali que a sua inquietação era aliviada, mesmo com alguns gemidos (de dor) soltados às vezes. Logo depois, o eu lírico reclama que o tempo o transforma em uma pessoa infeliz, nas trevas. A terceira estrofe traz um novo assunto: a falsidade de Laura. O eu lírico vivia no escuro, triste, sem escutar a voz da razão até que a falsidade dela fez por ele, em um breve dia, o que a razão não havia feito em um bom tempo: libertou-lhe.
As questões que restam agora são "Quem é Laura?" e "Por que a falsidade dela libertou-lhe?". Deve-se levar em conta que essas são duas questões difíceis de serem respondidas, tanto devido à carência de informações sobre essa parte da vida do autor quanto à complexidade da linha de raciocínio do mesmo. Laura é, segundo algumas fontes, um pseudônimo usado para uma amante de Tomás Antônio Gonzaga, Maria Joaquina Anselma de Figueiredo. Há, até mesmo, alguns pesquisadores e críticos que acreditam ser esta a verdadeira Marília de Dirceu. Há informações de que Maria Joaquina teria afirmado que Gonzaga era pai de seu filho, o qual o poeta não teria assumido. De acordo com o contexto do soneto, Laura fez algo realmente ruim que fez com que Dirceu abrisse os olhos e se libertasse da prisão analógica, vindo a gozar da liberdade, mesmo que esta tenha vindo por meio da traição. Quanto a esse acontecimento, não foram encontradas fontes que o relatem, deixando-nos assim a tarefa de imaginá-lo.
Características do Arcadismo e do soneto
Características do Arcadismo e do soneto
Neste soneto, as características árcades já estão bem mais apagadas que nas liras anteriormente analisadas. No entanto, ainda é notável uma certa valorização da razão: a época em que ele não estava ouvindo a voz da razão é considerada (indiretamente) uma época de trevas. Como já foi dito antes, há o uso do pseudônimo, usado, no Arcadismo, para cortar relações com as origens nobres ou plebeias das pessoas citadas. A linguagem pode ser considerada simples, se comparada ao Barroco. Não há nem exaltação da natureza, nem referências aos seres da mitologia greco-romana. Pode-se notar também algumas características pré-românticas, como o pessimismo (melancolia), o emocionalismo e a valorização da liberdade.
Comentário sobre a situação histórica
A terceira parte do livro Marília de Dirceu é uma publicação confusa, irregular e, por isso, não muito trabalhada. Não é à toa que muitos críticos se questionam se esta parte é realmente da autoria de Tomás Antônio Gonzaga, uma vez que há uma diferença considerável entre as duas primeiras partes da obra e a terceira. Esta última provavelmente foi escrita após o degredo de Gonzaga devido a sua participação na Inconfidência Mineira. No final 1800, a Gazeta de Lisboa publicou esta notícia: "Saiu à luz: Terceira parte da obra poética Marília de Dirceu, composta por Tomás Antônio Gonzaga.". Hoje em dia, esta terceira parte está presente na maioria das edições de Marília de Dirceu, porém, é a parte do livro sobre a qual é mais difícil encontrar informações.
Um aspecto a ser mencionado é que a ideia que se tem sobre Marília é de uma mocinha que, às vésperas de seu casamento (uma semana antes), teve seu noivo levado preso e esperou para sempre pelo seu retorno. Uma das questões sobre o tema que mais levanta discussões é a de que Maria Doroteia permaneceu fiel ao amado pelo resto de sua vida. Seria realmente possível? O fato é que, exilado, o poeta casou-se com Juliana de Sousa Mascarenhas, de 18 anos, com quem teve dois filhos: Ana e Alexandre Mascarenhas Gonzaga. Alexandre faleceu solteiro, sem descendência, mas Ana teve filhos de dois casamentos e há ainda hoje, em Moçambique, numerosos descendentes de Tomás Antônio Gonzaga.
Roberta Fidelis, nº 32, 1º "A".
Um aspecto a ser mencionado é que a ideia que se tem sobre Marília é de uma mocinha que, às vésperas de seu casamento (uma semana antes), teve seu noivo levado preso e esperou para sempre pelo seu retorno. Uma das questões sobre o tema que mais levanta discussões é a de que Maria Doroteia permaneceu fiel ao amado pelo resto de sua vida. Seria realmente possível? O fato é que, exilado, o poeta casou-se com Juliana de Sousa Mascarenhas, de 18 anos, com quem teve dois filhos: Ana e Alexandre Mascarenhas Gonzaga. Alexandre faleceu solteiro, sem descendência, mas Ana teve filhos de dois casamentos e há ainda hoje, em Moçambique, numerosos descendentes de Tomás Antônio Gonzaga.
Roberta Fidelis, nº 32, 1º "A".
A análise ficou excelente.Devo ressaltar que o fato da Roberta ter "destrinchado" o soneto, fez da análise, uma análise digna de reconhecimento.
ResponderExcluirNão vejo o porquê de estender meu comentário, já que a análise ficou ótima.
Marcone, n°28, 1"A".
A interpretação do poema foi bastante detalhada, o ressalto que foi dado à redução de características árcades foi ótima e a situação histórica foi simplesmente excelente, pois foi detalhada e abrangente.
ResponderExcluirIsabella, nº 20, 1ºA
A interpretação está muito bem elaborada e esclarecedora, fazendo com que os leitores possam compreendê-la com facilidade. As características e o comentário histórico também estão completos.
ResponderExcluirRuth Oliveira, nº 33, 1º "A".